Thursday, December 07, 2006

Roteiro "Labios sem Beijo" (2006)

"LÁBIOS SEM BEIJO"
roteiro de DÉBORA ROSSETTO e BRENO TURNES



FADE IN:
INT. QUARTO – DIA

O HOMEM, de calças de alfaiataria, camiseta branca e suspensórios, está deitado na cama de metal, com os braços cruzados sob a cabeça que repousa em dois travesseiros grandes e amassados.

HOMEM
(V. OVER.)
As possibilidades de fim são infinitas.

O Homem está deitado de lado, virado para as costas da MULHER, de vestido-camisola de cetim, também deitada, mas virada para fora da cama. Há um espaço entre eles.

HOMEM
(para MULHER)
A indiferença me cai bem,
lapidando as bordas de pedra crua que envolvem esta cova de distanciamento... Este que faz brotar das veias, congestionadas e escuras, a capacidade de con(v)ivência.

O Homem olha para a mulher. A Mulher ri e sussurra algo ao ouvido dele. Ele não reage. Ela fica séria e o empurra para longe, com pouca força.

HOMEM
(V. OVER.)
Eu cansei de olhar pra ela(eu), que escarnece quando me olha (ela), e que sussurra o que eu sou (nós) - não dela, ou tão pouco, tampouco.

O Homem, deitado atrás da mulher, também deitada, abraçando-a, observa ela brincar com as mãos no ar, como se tivesse um fio entre os dedos.

HOMEM
(para MULHER)
O grito em-nó-zado... A voz muda não chega aos ouvidos,
mas a penumbra conforta. Conforta,abraça e sussurra.
Aquece o vazio em meio aos teus braços esquálidos,
ditando palavras de uma sinistra sobriedade...
Palavras que o ouvido tendencioso irá acolher. Sempre.

A Mulher vira-se, repentinamente, interrompendo a fala do Homem. Eles se olham por alguns instantes e ela se vira novamente. Ele continua a olhá-la.

HOMEM
(V. OVER.)
Às vezes é inútil seguir com uma conversa que não levará a algo novo; uma conversa onde se prevê o começo e o fim e o erro de um e do outro e o necessário - o caminho - pra voltar.

O Homem está deitado na cama, sozinho. Olha para cima, para a câmera.

HOMEM
A angústia datada cessa
deixando latente a dúvida da dor. Quarenta dias de torpor acabam mais rápido que o imaginável, deixando feridas importantes expostas ao ar pútrido dessa vila.

O Homem está deitado na cama de metal, com os braços cruzados sob a cabeça que repousa em dois travesseiros grandes e amassados.

HOMEM
(V. OVER)
Esse tempo todo que não, não é o bastante pra mim. Eu quero todo o tempo que resta - se é que resta (mesmo) alguma coisa. Pensar no tempo que resta é pensar negativamente? Preferia pensar no tempo que tenho - sem conceber o fim ou a morte, ou a proximidade dessas duas coisas. É aquela coisa do copo meio vazio.

A Mulher está sentada na beira da cama. Olha para baixo, na diagonal. Ao fundo, fora de foco, o homem está sentado na lateral da cama, de costas. Vira-se de perfil.

HOMEM
(para MULHER)
Durante todo esse hiato a contra-gosto, tua boca rosa permaneceu colada na minha, teu cheiro se confundindo com o meu suor, tua magreza se (con)fundindo com a minha.

O Homem está sentado na lateral da cama, com o rosto virado, de perfil. A cama está vazia.


HOMEM
(como se fosse para MULHER)
Que jazigo seria mais puro que o lugar onde achaste calor e assistência a teus prantos? Que cemitério seria mais justo que teu abrigo, onde passastes tempos escondendo-te dos outros? Serei o único a jogar flores em teu descanso e orar para que alguém tenha pago tua travessia, pois esta noite decoro meu coração como tua sepultura.

FADE OUT.

FIM

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